
Dizem que depois da tempestade sempre vem a bonança. Bom, eu ainda estou esperando o meu arco-íris colorir um pouco o meu dia. Literalmente depois de uma tempestade. Ontem eu estava no Aricanduva quando começou a chover em São Paulo. Uma chuva rápida de meia hora foi o bastante pra causar o caos e certamente o pior dia da minha vida em São Paulo.
Eu ia dar aula, minha turma começava às 20h e cheguei uns 40 min antes. Gosto de chegar cedo pra conversar um pouco até meus alunos chegarem. Fora que se eu atrasar um minuto eu não recebo as aulas do dia. Enfim, cheguei com uma garoa fina e vento fresquinho balançando meus cabelos. Em poucos minutos a chuva começou a engrossar. Logo depois, uns 10 minutos antes das oito a chuva caiu severa. A rua Rio das Pedras ficou um rio de duas mãos. Temendo o pior esperei oito e quinze e como nenhum aluno meu veio, eu fui embora. Foi o tempo de entrar no ônibus, isso era umas 20h20.
Três quadras depois o inferno: Não somente a rua estava congestionada como também estava inundada. Dava pra ver a correnteza passando do meu lado levando sacos e sacos de lixo. De vez em quando conseguia ver as pessoas correndo pras ruas altas, pessoas que tinham saído da Avenida Aricanduva a tempo. Demorei 2 horas e meia pra chegar na Conselheiro Carrão. Acabei dormindo no banco do ônibus.
Finalmente cheguei à Radial Leste. Finalmente trânsito livre sentido centro. Do outro sentido eu senti pena de quem tentava, como eu, voltar pra casa. Mas ao contrário de mim, todos iam na direção ao que eu queria fugir. Eu era a sortuda ali, no contra-fluxo.
Consegui chegar no Parque Dom Pedro, consegui pegar o Butantã-USP e rezava pra chegar logo na Consolação pra voltar pra Perdizes. Achei que toda a confusão tinha terminado. Ledo engano. Levei uma hora e meia no ponto do Mackenzie, lotado, esperando um ônibus que não chegava nunca. Quando estava prestes a ir à pé, às 23h47 o 875-A chegou. Todo mundo sobe como loucos, ninguém sabia se iria passar outro em seguida. A chance de voltar pra casa e dormir numa caminha quente.
Me espremi mas entrei no ônibus. Estava quase morrendo de raiva, medo e solidão. Nunca me senti tão sozinha na minha vida. Naquele momento, desde que estava no Aricanduva, ninguém podia me ajudar. Todos estávamos na mesma situação, e por mais que fosse o caos, eu estava aparentemente bem, com as calças molhadas até o joelho, mas estava viva e conseguia discernir o caminho.
Mas nada disso tira o peso do pensamento que viria a seguir. Por que diabos eu estava ali? Por que não voltava de uma vez por todas como uma lutadora que por infortúnio tinha perdido na vida? Voltava para o colo de meus pais, para a felicidade da minha cachorrinha lambendo minhas canelas? Por que não voltava? Por quê?
Eu estou bem. Como disse, estou viva e com saúde. Não vou voltar pra casa. O único lugar que ainda chamo de lar. Não foi pela enchente, pela chuva, pelo caos, pelo congestionamento ou pelas 4 horas pra chegar em casa. Foi pelo sentimento de fraqueza e solidão. A chuva passou, as pessoas voltaram para os seus lares, e hoje amanheceu um céu azul em dia quente. Não vejo nenhuma nuvem cinza da janela. Mas ainda me sinto sozinha. Ainda me sinto impotente. Ainda tenho medo. A minha tempestade ainda não passou.
It looks like the rain won't stop me, I'll go walking now...


